por João Lourenço*, 2009
Desde muito pequeno sempre admirei a vastidão e a profundidade do cosmos e, ao mesmo tempo que me sentia apequenado, me sentia também invadido por um sentimento de grandiosidade ao contemplar o céu estrelado. Exatamente o mesmo sentimento me assombra de novo ao constatar que na imensidão do cosmos consigo vislumbrar paradoxalmente a completa insignificância e ausência de sentido da vida humana; e, ao mesmo tempo, o destino manifesto da nossa civilização. Mesmo em nosso mais alto grau de desenvolvimento não fazemos a menor diferença do ponto de vista de uma escala galáctica, que dirá cósmica. No entanto, dada a taxa atual de desenvolvimento tecnológico, é uma consequência inevitável a colonização do espaço, o aparecimento de entidades superinteligentes e um entendimento mais profundo da natureza do nosso universo. Usando-se sondas de von Neumann estima-se que após os primeiros passos em direção à colonização da galáxia serem dados, essa tarefa se completará em algumas centenas de milhares de anos.
Bostrom argumenta que mesmo com o poder computacional atual, se a tecnologia para o uploading for desenvolvida, todos os recursos disponíveis apenas no nosso aglomerado local seriam suficientes para sustentar 10³² seres humanos. Ele calcula que a cada segundo de atraso na colonização espacial desperdiçamos 100.000.000.000.000 (cem trilhões) de vidas em potencial. Se formos descuidados em relação aos perigos de extinção podemos ser eliminados da face da Terra e, com isso, a colonização da galáxia por vida inteligente sofreria no mínimo um grande atraso, com uma perda de vidas em potencial imensurável. Por isso o futuro da humanidade me preocupa mais do que qualquer outra coisa. Os valores em jogo são altíssimos. Se eu achasse que a raça humana estivesse fadada a continuar no atual estado de desenvolvimento para sempre eu não iria me preocupar tanto com a questão. No entanto eu sei que o tempo em que os seres humanos vão desempenhar um papel chave no que vai acontecer com o nosso planeta e, no mínimo, com a galáxia, se aproxima. Se a raça humana desperdiçar esse momento, todo um futuro cheio de possibilidades inimagináveis será destruído. A colonização da galáxia, entes superinteligentes, uma consciência e um entendimento muito mais profundos do universo, e um bem estar e uma felicidade muito maior podem estar nos aguardando nos próximos séculos; bem como pode estar nos aguardando a total destruição; e qual porta nós iremos abrir depende das nossas ações agora. Ou a raça humana vai transcender a sua insignificância cósmica e a sua chama vai brilhar pelo universo e a galáxia será adornada com os ramos, as flores e os frutos do que agora é somente semente; ou nós seremos completamente eliminados da face da Terra e toda a nossa existência será vã. Quando se sabe que a primeira possibilidade é real, saber que a segunda também o é, é aterrorizante.
A questão do significado da vida e do nosso papel no cosmos pode ganhar uma resposta caso tomemos as ações certas em direção à singularidade e à conquista do espaço. Caso contrário a vida se torna sem significado algum e nosso papel no cosmos é totalmente irrelevante. Quando olho para o céu estrelado imagino grandes civilizações realizando viagens interplanetárias, computadores do tamanho de planetas simulando milhares de milhares de civilizações infinitamente mais avançadas que a nossa. Diante de toda a frieza e imponência do cosmos consigo vislumbrá-lo preenchido de vida, de diversidade e de sentido. Pensar que todo esse futuro possível pode desaparecer diante de nossos olhos somente por descuido é desolador. De fato estamos boldly going where no man has gone before (audaciosamente indo onde nenhum homem jamais esteve)ii.
Que a nossa jornada não acabe de maneira abrupta nas mãos de estúpidas e incontroláveis nanomáquinas.
Termino com a descrição de apoteose dada por Yudkowsky:
A Singularidade guarda a possibilidade de ganhar o Grande Prêmio, a verdadeira Utopia, o melhor de todos os mundos possíveis – não só liberdade da dor e estresse, ou uma rodada estéril de prazeres físicos sem fim, mas o prospecto de um crescimento enfim para cada ser humano – crescimento da mente, da inteligência, força de caráter; uma vida sem limites, sem fim; experienciando tudo aquilo que sonhamos experimentar, nos tornando tudo aquilo que sonhamos ser; não por um bilhão de anos, ou dez elevado a um bilhão de anos, mas para sempre… Ou talvez embarcando juntos numa aventura ainda maior que não podemos nem conceber. Isso é a Apoteose.
Se qualquer utopia, qualquer destino, qualquer final feliz é possível para a espécie humana, ele se encontra na Singularidade.
Não há nenhum mal que eu precise aceitar com a justificativa de que ‘não há nada que se possa fazer a respeito’. Não existe nenhuma criança abusada, nenhum lavrador oprimido, nenhum mendigo passando fome, nenhuma criança viciada em crack, nenhum paciente com câncer, literalmente ninguém que eu não possa olhar diretamente nos olhos. Eu estou trabalhando para salvar a todos, curar o planeta, resolver todos os problemas do mundo.
– Eliezer S. Yudkowsky, The Singularitarian Principles
Notas
* Texto revisado por Lauro Edison.
i Não resisto tomar a (grande) liberdade de citar a bela letra do Pato Fu, tão perfeitamente sintonizada está com o espírito deste texto (Nota do [abusado] Revisor).
SPACEBALLS, THE BALLAD
(Bob Faria)
running ‘cross the universe
correndo através do universo
they got long hair and they wanna fly
eles têm cabelos compridos e querem voar
space: the final frontier
espaço: a fronteira final
space: i wanna be here
espaço: eu quero estar aqui
if they don’t have the glory of a war
se eles não têm a glória de uma guerra
it’s just because they don’t believe in war
é apenas porque eles não acreditam em guerra
we got the space that’s the final frontier
nós temos o espaço, que é a fronteira final
space… i wanna be here
espaço… eu quero estar aqui
down thru the space we swim on a dream
adentrando pelo espaço nadamos em um sonho
it sounds like a sound of a song that we can sing!
e ele soa como o som de uma canção que podemos cantar!