Previsão e Lei do Retorno Acelerado

por Bruno Coelho, 2012*

 

 

Prever algo é estar em uma situação de incerteza, a qual obter crenças verdadeiras depende de inúmeros fatores. Quando se trata de tecnologia, não é diferente. Historicamente, diversas tentativas de vislumbrar o que ocorreria em 10, 20 ou mesmo 100 anos adiante foram feitas, e a maior parte falhou, por subestimar a capacidade de inovação humana, ou por superestimar a velocidade do progresso.

 

A Lei de Moore é mundialmente conhecida quando falamos acerca da capacidade de processamento. A previsão não é considerada estritamente uma lei, pois indica apenas para o número de transistores contidos num chip ao longo do tempo. Através da extrapolação deste padrão e da observância de outras tendências tecnológicas, há quem espere neste século soframos profundas mudanças, sugerindo um ponto histórico onde uma singularidade ocorre, alterando drasticamente todos os aspectos da existência humana.

 

Há discordância quanto ao período em que irá ocorrer esta singularidade. Defensores de uma alteração drástica assumem que tecnologias específicas como inteligência artificial, caso atinjam um poder de otimização suficiente, influenciarão o desenvolvimento de outras tecnologias, pesquisa científica e as relações trabalhistas. Outros afirmam que não precisamos supor que isto é algo novo na história humana; a introdução da agricultura e industrialização podem ser vistas como singularidades as quais alteraram as relações econômicas, acelerando a produção de riqueza e reduzindo o esforço empregado na confecção dos produtos [Hanson 2008].

 

Entre os futuristas, Kurzweil é o proponente e principal defensor da Lei do Retorno Acelerado, inicialmente exposta em Age of Spiritual Machines e posteriormente expandida [Kurzweil 2000; 2001]. Apoiado na evolução do hardware nos últimos 40 anos, defende um crescimento exponencial em diversos segmentos como: transistores por chip, capacidade de armazenamento de dados, velocidade de transmissão de informação e crescimento econômico. De acordo com ele, várias alterações abruptas irão ocorrer na primeira metade do século, incluindo surgimento de uma inteligência de máquina equivalente a humana em 2019; tendo como ponto de disrupção o ano 2045, onde a hibridação homem-máquina será comum, a emulação do cérebro humano adulto por completo será possível e o prolongamento substancial do tempo médio de vida será atingido.

 

A posição é considerada otimista no espaço de predições, e indica para as características positivas do avanço tecnológico.  Contudo, a capacidade de processamento ao longo do tempo não obedece uma função exponencial estritamente [Nagy 2010].  Além disso, mesmo que isto não seja o caso, tanto Kurzweil como outros admitem que se irá alcançar o limite físico de transistores por chip em breve. Ou seja, a redução do valor do número de transistores por dólar irá atingir em 2017 um estágio o qual não se poderá mais avançar com a mesma velocidade de antes. Isto ocorre porque certos campos de estudo e aplicações não progridem continuamente de forma indefinida, mas aos saltos, tendo crescimento durante o período, prosseguidos de um estágio de aparente estagnação. A resposta que se tem de obter no estágio que estamos é, estamos progredindo?

 

 

Progresso

 

Certos tópicos não foram levantados por Kurzweil diretamente, porém impõem constrangimentos sérios às possíveis intervenções futuras. Num âmbito geral, as perspectivas negativas e má aplicações por desconhecimento presente em projetos de grande porte são deixadas de lado. As implicações éticas no planejamento e modelagem de arquiteturas para inteligências artificiais são outro exemplo.

 

Neste sentido, desenvolvimento tecnológico não implica necessariamente em progresso. Em certos casos se deve dar um passo atrás, reduzir a velocidade das pesquisas, por risco de atingir um ponto irreversível, que não sendo previsto corretamente geraria consequências negativas. Como se está lidando com proporções globais, cenários onde o impulso para obter resultados irá impactar a vida de bilhões. A escolha de um sistema moral errado gera conflito entre civilizações. Algo visto no passado como ‘óbvio’ a partir do nosso ponto de vista histórico, não o era para seus contemporâneos.

 

Kurzweil também aponta para os equívocos de economistas que assumem um crescimento linear, e sugere que de fato o que ocorre é um crescimento exponencial. Esta é uma questão em aberto, sujeita ao debate acerca da estagnação econômica mundial. A título exemplificativo, o setor de softwares vem gerando inúmeras startups com ideias inovadoras, no entanto há quem pense 140 caracteres não ser um avanço significativo [Thiel 2011]. Há inovação, porém não na mesma proporção comparada relativamente ao séc. XX, onde se teve a inclusão de saneamento básico, sistemas de saúde e automotivos.

 

Podemos assumir que somos criativos como nunca e estamos em um período de rápida transformação, quando a estrutura básica das casas e carros ainda é semelhante à de 40 anos atrás. Este é o percebido se considerarmos avanços evidentes em determinados setores, e estagnação em outros.  Ainda assim, há segmentos onde a evidência de progresso é indiscutível: o aumento da expectativa de vida, pesquisas neurocientíficas e o surgimento de aplicações computacionais em geral.

 

No primeiro caso, gerontologistas afirmam que o processo de decaimento celular tem como causas 7 processos que, caso combatidos, aumentarão bastante nossa média de vida [de Grey 2007]. A estratégia é inicialmente obter um ganho de 10 a 20 anos, e à medida que as pesquisas prosseguem, até se atingir uma ‘velocidade de escape’. Se durante o século passado conseguimos dobrar de 35 para 70 a expectativa de vida mundial, espera-se que com o investimento correto, neste século se ganhe de 10-20 anos a mais, mantendo estimativas conservadoras.

 

Em outro campo, as pesquisas neurocientíficas dos últimos 50 anos, devido ao surgimento de técnicas como ressonância magnética (fMRI) e tomografia por emissão de pósitrons (PET), possibilitaram análises sofisticadas dos substratos neurais. E não só, espera-se que neste século se consiga mapear a coluna central do cérebro, através do escaneamento computacional. Projetos como SyNaPSE e Blue Gene alcançaram um grau de bio-realismo capaz de emular pequenos organismos, porém ainda não atingiram a resolução esperada para negligenciar possíveis erros de modulação neuroquímica [de Garis et al 2009; Markram 2006].

 

Ainda que não concordemos com Kurzweil a respeito do avanço obedecer a uma função exponencial, tem de se reconhecer que em segmentos específicos os ganhos são visíveis. Sendo assim, mais do que tentar identificar a função que descreve o progresso tecnológico em geral, é importante escolher pontos focais, os quais potencialmente alterarão o panorama. E isto requer que encontremos formas de melhorar nossa sabedoria como grupo.

 

 

Sabedoria Coletiva

 

Há duas formas de se obter predições mais acuradas: pela busca de evidências individualmente, até atingir um grau de especialização adequado, ou através de mecanismos que promovam a sabedoria coletiva. No último caso, tem-se sistemas conhecidos, como a educação e o método experimental através do teste de hipóteses. No primeiro, a consulta a especialistas é um modo de se atingir familiaridade com tópicos desconhecidos. Todavia, nos dois casos, não há perfeição; especialistas em determinadas áreas são tão confiáveis quanto não-especialistas [Rowe et al 2001], porque ser um especialista dá a impressão de que sabe mais do que a média, embora isto nem sempre seja o caso. Outra mudança é quanto ao método de publicação e transmissão do conhecimento científico: o modelo atual apresenta falhas na escolha de critérios, normalmente envolvendo a seleção de editores específicos os quais a conduta moral não transparece de imediato.

 

Portanto, torna-se mister refinar a percepção quanto a quais parâmetros devem mover-se para cima na ordem de prioridade. Mesmo em tópicos onde se tem uma quantidade razoável de dados, a previsão se torna problemática, pois tendemos a nos concentrar em aspectos conhecidos dos problemas, ficando cegos a possíveis cisnes negros e sujeitos à falácia da narrativa [Taleb 2010].

 

Ademais, mesmo neste caso há como progredir. Uma das formas é o aperfeiçoamento metodológico. Promovendo mercados de previsão ou um avanço mínimo que seja no modo como os cientistas conduzem e comunicam seus experimentos [Hanson 1995; Wolfers e Zitzetwitz 2004]. Reformas institucionais que escolham líderes e tomem decisões baseadas em históricos de acertos (e erros), e não em características não correlacionadas ao desempenho preditivo. Desregulamentação de drogas comprovadamente seguras para aperfeiçoamentos cognitivos; o controle da forma como a informação é veiculada, ou seja, dar incentivos a pessoas ou grupos que balanceiam as afirmações das maiores fontes de divulgação científica como jornais e revistas.

 

 

Conclusão

 

Vimos que o avanço tecnológico ocorre, mas não na velocidade sentida ao considerar anos recentes. O progresso atual está mais próximo de um caminho a passos curtos, do que precisamente um crescimento exponencial, já que a velocidade das pesquisas não é a mesma para todos os segmentos de pesquisa. Entretanto, mesmo neste caso, certas tecnologias ocuparão um papel de destaque, ainda que parcialmente previsíveis. Nossa tarefa como agentes racionais é tentar reduzir a incerteza, aplicando as sugestões feitas e incentivando intervenções que promovam nossa compreensão coletiva acerca dos cenários tecnológicos que estão por vir.

 

 

 

 

 

Notas

 

* Texto revisado por Diego Caleiro.

 

 

Referências

 

Bostrom, N. The future of human evolution. Nanoscale: Issues and Perspectives for the Nano Century, pp. 129-152.

 

de Grey, Aubrey, and Michael Rae. 2007. Ending aging: The rejuvenation breakthroughs that could reverse human aging in our lifetime. New York: St Martin’s Press.

 

Nagy, B. 2010. Superexponential long-term trends in information technology. Santa Fe Institute.

 

Hanson, R. 1995. ʺCould Gambling Save Science? Encouraging an Honest Consensusʺ, Social Epistemology 9:1:3‐33.

 

Hanson, R.. 2008. Economics of the singularity. IEEE Spectrum 45 (6): 45–50.

 

  1. de Garis, C. Shuo, B. Goertzel, L. Rulting, “A World survey of artificial brain projects, Part I: Large-scale brain simulations”, Neurocomputing 74, Issues 1-3, December 2010, pp 3-29.

 

  1. Markram, “The Blue Brain Project”, in Nature Reviews, Volume 7, February 2006, pp 153-160.

 

Wolfers, J., and E. Zitzewitz (2004), ʺPrediction marketsʺ, Journal of Economic Perspectives 18 (2):107‐126.

 

Kurzweil, R. 2000. The age of spiritual machines: When computers exceed human intelligence. London: Penguin.

 

_______ 2001. “The Law of Accelerating Returns”, http://http://www.kurzweilai.net/the-law-of-accelerating-returns.

 

Nagy, B., J.D. Farmer, J.E. Trancik, and J.P. Gonzales. “Superexponential Long-term Trends in Information Technology.” Technological Forecasting and Social Change (2011).

 

Rowe, G., & Wright, G. (2001). Expert opinions in forecasting: The role of the Delphi Technique. In J. Armstrong (Ed.). Principles of Forecasting (pp. 125-144).

 

Taleb,N. Black Swan. Second Edition, 2010.

 

Thiel, P. “The End of Future”, http://www.nationalreview.com/articles/278758/end-future-peter-thiel