por Lauro Edison, 2012 *
Embora tenhamos um conhecimento intuitivo da razão, forjado ao longo dos milhões de anos de desenvolvimento racional em nossa linhagem, a descoberta da seleção natural e o advento da Inteligência Artificial nos surpreenderam com versões parciais daquilo que sempre fora nossa ideia original de racionalidade, versões para as quais nossas palavras já não funcionam tão bem. Enquanto cautelosamente avaliamos e pomos em ordem os termos de nossa comunicação, podemos outra vez perguntar: quais as relações entre razão e… consciência, intuição, lógica, objetivos, inteligência, ética, verdade, instintos e emoções? A concepção aqui enfatizada será intuitiva e mental, mas as alternativas serão consideradas. Mais do que alguma definição canônica, o que se pretende é tornar clara a interação entre nossa ideia intuitiva, a palavra e os novos casos exóticos, levando a uma compreensão articulada e profunda desta faculdade tão elementar, a razão.
Ao longo das próximas semanas seguiremos, etapa após etapa, a trilha dessa reflexão, avaliando uma série de aspectos relacionados à racionalidade e às diversas formas de concebê-la.
Razão: Uma Visão Intuitiva — Parte I: O que é razão?
Eis uma afirmação empolgante, pra dizer o mínimo: todo mundo sabe o que é razão. Empolgante por ser polêmica. Sim, todo mundo sabe muito bem o que é razão. Pense no seguinte. Dificilmente se pode negar que a maioria das aves e mamíferos possui algum grau de racionalidade. Chimpanzés e gorilas são racionais o suficiente para usar ferramentas simples e, no entanto, já eram superados por ninguém mais que os australopitecos há 3,4 milhões de anos. A extrapolação garantida é que toda a linhagem de nossa espécie já vem formando intuições básicas sobre a razão há nada menos que milhões de anos. Então sim, obviamente todo mundo sabe o que é razão. Mas e então, o que é?
Uma coisa é saber, outra completamente diferente é traduzir em palavras. A linguagem como a conhecemos não entrou nessa história senão há cem mil anos, sendo otimista. O que provavelmente é a pista para explicar a dificuldade universal, e mesmo a impossibilidade, de pôr em palavras o significado de certas palavras gerais e elementares como “ser”, “causa”, “mente”, “número”, “matéria”, “espaço” e… “razão”. Em geral ficamos exatamente na situação de Agostinho quando disse “que é, pois, o tempo? Se ninguém me pergunta, eu sei; se quero explicá-lo a quem me pede, não sei”.
Mas não há porque se intimidar. Será aqui um pressuposto crucial este de que, sim, sabemos o que é razão, mas que colocar isto em palavras é em boa parte como tentar explicar a um cego o que é “azul”. A única maneira de realmente conhecer o azul é vendo-o. Felizmente pra nós, no que se trata da razão, não somos cegos. Podemos falar sobre ela à vontade e nos entenderemos. Entenderemos até mesmo a dificuldade em concordar sobre quais palavras são adequadas para definir esta ideia que, sim, conhecemos tão bem, e o porquê de certos casos nos deixarem em dúvida sobre a aplicabilidade da palavra mesma.
Comecemos logo, e com uma tentativa de definição que, adianto, será aquela aqui defendida como primitiva e mais importante, até o final: a razão é a faculdade dos seres conscientes de conceber, fazendo inferências a partir de representações mentais, meios eficientes para atingir os próprios objetivos. E não deveríamos, já agora, definir também os termos componentes? Não sem estupidamente ir ao infinito. Como nos diz o lógico Gottlob Frege, “não se deve esquecer que nem tudo pode ser definido. Querer definir a todo custo o que é em essência indefinível, leva facilmente a se enredar com coisas acessórias e inessenciais, e assim desde o início a conduzir a investigação por um falso caminho” 1. Como já veremos, o que deve ser feito é procurar justamente as componentes mais elementares (e portanto indefiníveis) de nossas ideias e intuições básicas. Estas, acima de tudo, nos são conhecidas em primeira mão.
Comparando a definição proposta com as que estão abaixo – caso você queira se dar o trabalho de olhá-las em detalhe – veremos que os pontos de maior diferença são quatro: a referência à linguagem, a exclusão dos animais, a associação com a realidade e a ausência de uma menção a desejos ou objetivos. Por outro lado, o fio que parece unir todas elas é a referência, ainda que implícita, ao processo de raciocínio. De fato, chamam atenção as sinonímias com “inteligência” e “raciocínio”. Vejamos:
- Houaiss:
- 1. faculdade de raciocinar, de apreender, de compreender, de ponderar, de julgar; a inteligência.
- 3. capacidade de avaliar com correção, com discernimento; bom senso, juízo.
- 10. [filosofia] faculdade intelectual e lingüística que distingue o ser humano dos outros animais.
- 11. [filosofia] faculdade humana da linguagem e do pensamento, voltada para a apreensão cognitiva da realidade.
- 13. [filosofia] no cartesianismo, faculdade caracterizada por seu poder de discernimento entre o verdadeiro e o falso, ou o bem e o mal.
- Aurélio:
- 2. faculdade que tem o homem de estabelecer relações lógicas, de conhecer, de compreender, de raciocinar; raciocínio, inteligência.
- Dicionário de Filosofia (Nicola Abbagnano):
- 1. referencial de orientação do homem em todos os campos em que seja possível a indagação ou a investigação. Nesse sentido, dizemos que a razão é uma “faculdade” própria do homem, que o distingue dos animais.
- Leibniz: “A razão é o encadeamento de verdades.”
- Victor Hugo: “A razão é a inteligência em exercício.”
De quantas formas diferentes pudemos encontrar a ideia de raciocínio aí acima, ainda que vagamente? “Avaliar com correção”, “intelectual”, “poder de discernimento”, “pensamento”, “estabelecer relações lógicas”, “investigação”, “encadeamento de verdades”, “inteligência em exercício”. Se alguma coisa deve estar no núcleo da ideia de razão, sem dúvida é esta. A própria palavra “raciocínio” tem a virtude e o defeito de tornar isso explícito já em sua grafia. E caso você também se dê o trabalho de verificar as tentativas algo quixotescas de definir “raciocínio” 2, verá que estamos lidando com algo bem elementar aqui. O quê exatamente? Quando raciocinamos nós simplesmente “vemos”, de algum modo, que certas suposições têm certas consequências, sejam inevitáveis ou apenas prováveis. É a percepção intuitiva desses “elos”, dada de uma forma tão direta quanto a percepção empírica, que é por sua vez o núcleo da ideia de raciocínio. É precisamente isto o que todos sabem o que é, e que muito se parece com o azul em seu aspecto indefinível: a menos que você chegue a raciocinar, não pode saber que espécie de intuição está em jogo.
Ora, este aspecto crucial não poderia faltar na definição proposta há pouco, e é mencionado em toda a sua pureza através da palavra “inferência”. Eis uma palavra cuja definição, como não poderia ser diferente, se limita a uma mistura de circularidade sobre a ideia de “elo” e de retorno à ideia de “raciocínio”. Assim o Houaiss nos diz:
“Operação intelectual por meio da qual se afirma a verdade de uma proposição em decorrência de sua ligação com outras já reconhecidas como verdadeiras.”
E o Dicionário de Lógica (Hegenberg & Silva) cautelosamente define que: “inferência é processo de raciocínio que permite ao espírito passar de certas proposições (admitidas verdadeiras), chamadas premissas, para outra proposição, denominada conclusão (cuja verdade está supostamente associada à verdade das premissas)”.
Inferimos uma consequência de certas informações prévias quando, através do raciocínio, percebemos intuitivamente o elo entre ambas. Seja qual for a natureza de tais “elos”, e como eles podem ser “percebidos” ou “intuídos”, eis o que está por trás da cortina, no coração da razão.
A insistente palavra “intuição” 3 incomoda aqui? Não é a intuição praticamente o oposto da racionalidade? É preciso tirar essa confusão do caminho: “intuição” possui um sentido vulgar e outro filosófico. O primeiro é uma espécie de “pressentimento” ou, como nos diz o Houaiss, “ato de perceber, discernir ou pressentir coisas, independentemente de raciocínio ou de análise”. O segundo, muito pelo contrário, é uma “forma de conhecimento direta, clara e imediata, capaz de investigar objetos pertencentes ao âmbito intelectual, a uma dimensão metafísica ou à realidade concreta”. É neste último sentido que vemos, de maneira clara e direta (i. e., intuitiva), que dois mais dois são quatro, ou que um objeto inteiramente vermelho não pode ser azul – ou ainda, como foi dito, o “elo” entre certas suposições e suas consequências. É nesse sentido que nos diz o filósofo e lógico Saul Kripke:
“É claro que alguns filósofos pensam que ter conteúdo intuitivo é um indício muito inconclusivo a favor do que quer que seja. Pessoalmente, penso que é um indício muito forte a favor de algo. Na verdade não sei, num certo sentido, que outro indício conclusivo se pode ter sobre algo, em última análise.”
— Naming and Necessity, 1970, p.42
“Intuir”, nesse sentido, é praticamente um sinônimo de “entender” ou “inteligir”; e aquilo que é realmente contra-intuitivo é, de fato, ininteligível. Não obstante, até mesmo nesse sentido a intuição costuma ser mal vista, como se pode depreender da citação de Kripke. Teremos tempo de averiguar essa outra forma de ver as coisas e de entender suas razões.
Continuando, a definição apresentada utiliza o termo “inferência” e não a expressão “inferência lógica” que, na medida em que não é uma redundância, sugere mais do que seria adequado o processo específico de derivação através de regras formais. No que se trata de razão e raciocínio, como veremos, o lugar da lógica formal precisa ser delicadamente avaliado. Mas é uma pista o fato de que a lógica formal foi criada por Frege no século XIX ou, na melhor das hipóteses, por Aristóteles há mais de dois mil anos, ao passo que a razão já estava por aí há… milhões de anos.
Como observei antes, as definições típicas de “razão” discordavam da aqui proposta em quatro pontos: a referência à linguagem, a exclusão dos animais (não-humanos), a associação com a realidade e a ausência de uma menção a desejos ou objetivos. Vejamos algo sobre elas.
Nossa espécie foi chamada de Homo sapiens com base na ideia tradicional, herdada dos gregos, de que o ser humano é definível como “animal racional”. O resto dos animais, assim acreditavam, era governado pelos instintos “e não pela razão”. Essa oposição clássica entre instintos (e emoções) e razão é bastante enganosa, e haverá muito a ser dito sobre ela. Por outro lado, a exclusão dos animais também tinha alguma relação com a outra ideia, a de que a linguagem é essencial à razão. Se tivermos em conta que pensadores tão recentes quanto Frege e Donald Davidson ainda insistiam que “pensamos com palavras” 4, ou que “[o contraste entre o verdadeiro e o falso] ‘somente pode surgir no contexto da interpretação’ [da linguagem]” 5, fica explicada a conclusão inevitável de que animais são irracionais. Mas, bem, muitos deles não são. É simples assim.
A própria distinção entre verdade e falsidade, que muitos supõem depender da linguagem, não exige mais do que a capacidade de discriminar se certas representações mentais pré-linguísticas correspondem ou não ao mundo exterior. Como diz o filósofo John Searle, “os animais corrigem suas crenças o tempo todo com base em suas percepções. Para fazer essas correções, eles devem ser capazes de distinguir o estado de coisas que satisfaz suas crenças do estado de coisas que não as satisfaz” 6. Mas será que eles chegam a ponto de usar essa distinção para raciocinar? A literatura sobre a inteligência animal não deixa dúvidas sobre isso. E como esta é muito recente, não admira que a filosofia tenha sido vítima de simples ignorância. A racionalidade não depende da linguagem.
Quanto à associação entre razão e realidade, também exemplificada pelo filósofo e sociólogo Edgar Morin ao dizer que “a racionalidade é o estabelecimento de uma adequação entre uma coerência lógica (descritiva, explicativa) e uma realidade empírica” (Science avec Conscience) provavelmente apenas cabe dizer que é uma restrição excessiva fora de certos contextos particulares. Isso há de ser óbvio em face de exemplos como a teorização em geometria pura e as disputas de xadrez: são certamente atividades racionais por excelência, muito embora sem quaisquer relações com a realidade – no caso do xadrez, nem mesmo com uma possível realidade platônica.
E quanto à relação entre razão e objetivos, que não aparece em nenhuma definição, ocorre o seguinte: existe uma distinção clássica entre razão epistêmica e razão prática. A primeira visa ao conhecimento, ou como descobrir a verdade, e a segunda visa à ação, ou como agir. Dito de outro modo, é a diferença entre saber como o mundo é e saber como levá-lo a ser como se deseja. É esta segunda definição de razão que é, invariavelmente, relacionada a objetivos. Conquanto esta seja uma distinção útil, será um objetivo deste ensaio – de fato, um objetivo da definição proposta – unificar estes dois sentidos da palavra. A busca da verdade não é, afinal, nada mais que um objetivo entre tantos outros, ainda que em certo sentido especial. Além do mais, a distinção algumas vezes funciona mal: tentar vencer uma partida de xadrez não parece, senão forçadamente, um exemplo de razão prática. Ou menos ainda de razão epistêmica. Mas voltaremos a estas discussões na devida altura. A seguir devemos começar a lidar com o que, no fundo, é a maior fonte de controvérsia, mas também de esclarecimento, da definição aqui proposta: a necessária, ou desnecessária!, associação entre racionalidade e consciência.
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A seguir: parte II
Razão & Consciência
Na era da Inteligência Artificial, “racionalidade inconsciente” é racionalidade?
Notas
- * Texto original de Lauro Edison, revisado por Leo Arruda. ↩
- FREGE, GOTTLOB. “A Negação” em Investigações Lógicas, p.53 (Edipurcs, 2002) ↩
- DEFINIÇÕES DE “RACIOCÍNIO”:
- Houaiss:
- 1. ato ou efeito de raciocinar.
- 2. exercício da razão através do qual se procura alcançar o entendimento de atos e fatos, se formulam idéias, se elaboram juízos, se deduz algo a partir de uma ou mais premissas, se tiram conclusões.
- 3. capacidade de raciocinar.
- 4. [lógica] atividade mental que, por meio de instrumentos indutivos ou dedutivos, fundamenta o encadeamento lógico e necessário de um processo argumentativo, esp. no interior de demonstrações científicas, filosóficas ou matemáticas.
- Dicionário Básico de Filosofia (Japiassu e Marcondes):
- Atividade do pensamento pela qual se procede a um encadeamento de juízos visando estabelecer a verdade ou a falsidade de algo.
- Procedimento racional de argumentação ou de justificação de uma hipótese.
- Dicionário de Filosofia (Nicola Abbagnano):
- procedimento de inferência ou prova; portanto, qualquer argumento, conclusão, inferência, indução, dedução, analogia, etc.
- Dicionário de Lógica (Hegenberg):
- Em poucas palavras, raciocínio é encadeamento de argumentos. Genericamente, raciocinar corresponde a pensar discursivamente, pensar de maneira coerente, com um propósito em vista. Mais estritamente, corresponde a inferir, ou seja, ao processo de passar de certas proposições sabidamente ou presumidamente verdadeiras, para outra proposição que delas deflua. A inferência é ‘necessária’, no caso dos raciocínios dedutivos; e é ‘contingente’, ‘provável’ ou ‘errônea’, nos casos de raciocínios indutivos.
- [Notar que, em Inglês, se distingue ‘ratiocination’ (raciocínio discursivo) e ‘reasoning’ (faculdade que permite coligir e interligar idéias, de modo consciente, coerente, com uma finalidade determinada).]
- John Stuart Mill: “Inferir uma proposição de uma ou mais proposições precedentes, e crer ou pretender que se creia nela como conclusão de qualquer outra coisa significa raciocinar, no mais amplo sentido do termo.”
- Houaiss:
- DEFINIÇÕES DE “INTUIÇÃO”:
- Houaiss:
- 1. Faculdade ou ato de perceber, discernir ou pressentir coisas, independentemente de raciocínio ou de análise.
- 2. Forma de conhecimento direta, clara e imediata, capaz de investigar objetos pertencentes ao âmbito intelectual, a uma dimensão metafísica ou à realidade concreta.
- [sinônimo: apercepção] apreensão direta, imediata, não reflexiva, de um objeto físico ou mental; intuição.
- Etimologia: lat.ecl. intuitìo,ónis ‘imagem refletida no espelho’; prov. por infl. do fr. intuition (1542) ‘contemplação’, (1752) ‘conhecimento imediato’, (1831) ‘pressentimento que nos permite adivinhar o que é ou deve ser’, do v.lat. intuèor,éris,ìtus sum,éri ‘olhar atentamente, observar, considerar’; 1858 é a data para a acp. de teol, e 1873, para ‘faculdade’ e ‘visão’.
- Aurélio:
- 1. Ato de ver, perceber, discernir; percepção clara e imediata; discernimento instantâneo; visão.
- 2. Ato ou capacidade de pressentir; pressentimento.
- 3. Filos. Conhecimento imediato de um objeto na plenitude da sua realidade, seja este objeto de ordem material, ou espiritual.
- 4. Filos. Apreensão direta, imediata e atual de um objeto na sua realidade individual.
- Dicionário de Filosofia (Abbagnano):
- Relação direta (sem intermediários) com um objeto qualquer; por isso, implica a presença efetiva do objeto. A intuição foi entendida desse modo ao longo da história da filosofia, a começar por Plotino, que emprega esse termo para designar o conhecimento imediato e total que o Intelecto Divino tem de si e de seus próprios objetos. Nesse sentido, a I. é uma forma de conhecimento superior e privilegiado, pois para ela, assim como para a visão sensível em que se molda, o objeto está imediatamente presente.
- Relação imediata com um objeto qualquer. Nesse sentido, Descartes falava da intuição evidente (evidens intuitus), como um dos dois caminhos que levam ao conhecimento certo (o outro é o da “dedução necessária”), entendendo com ela a apreensão de qualquer objeto mental: “A intuição da mente estende-se às coisas, ao conhecimento de suas interconexões necessárias e a tudo o que o intelecto experimenta com precisão em si mesmo ou na imaginação” (Regulae ad directionem ingenii, 12). […] Este significado era aceito por Stuart Mill: “As verdades são conhecidas de duas maneiras: algumas diretamente ou por si mesmas, outras através da mediação de outras verdades. As primeiras são objeto da I. ou consciência; as segundas, da inferência” (logic, Intr., § 4).
- A mesma tese é sustentada por Schopenhauer, que identifica intelecto e I., e pretende que até as conexões lógicas sejam reduzidas a elementos intuitivos (Die Welt, I, § 15).
- Dicionário Básico de Filosofia (Japiassu e Marcondes):
- (lat. intuitio: ato de contemplar) Forma de contato direto ou imediato da mente com o real, capaz de captar sua essência de modo evidente, mas não necessitando de demonstração.
- 1. “Por intuição entendo… a concepção firme do espírito puro e atento, que se origina unicamente da luz da razão, e que sendo mais simples é, por conseguinte, mais segura do que a própria dedução” (Descartes). Para Descartes a idéia de Deus e o próprio *cogito seriam objetos da intuição.
- 2. Intuição empírica: conhecimento imediato da experiência, seja externa (intuição sensível: dados dos sentidos como cores, odores, sabores etc.); seja interna (intuição psicológica: dados psíquicos como imagens, desejos, emoções, paixões, sentimentos etc.).
- 3. Intuição racional: percepção de relações e apreensão dos primeiros princípios (identidade, não-contradição, terceiro excluído). E considerada a base do conhecimento discursivo já que este pressuporia sempre um ponto de partida não-discursivo para não ser circular.
- 4. Para Kant, na Crítica da razão pura, a intuição (Anschauung) pura é uma forma a priori da sensibilidade, constituindo com o entendimento as condições de possibilidade do conhecimento. São duas as intuições: de espaço e de tempo, possibilitando a unificação do sensível e a recepção de percepções. “Os pensamentos sem conteúdo são vazios, as intuições sem conceitos são cegas” (Kant).
- 5. Compreensão global e instantânea de um fato ou pessoa, baseada em uma capacidade especial de discernimento (a intuição feminina, a intuição do médico diagnosticar, etc.).
- 6. Sentimento súbito (insight) de um caminho para a solução de um problema ou da descoberta de uma relação científica.
- Oposto a dedução, conceito.
- Houaiss:
- “Pois pensamos com palavras, e quando não o fazemos com palavras, o fazemos com sinais matemáticos ou de outro tipo.” FREGE, G. “Sobre a Justificação Científica de uma Conceitografia” em Lógica e Filosofia da Linguagem, p.60 (Edusp, 2009, p. 60). ↩
- DAVIDSON, D. “Thought and Talk” em Truth and Interpretation, p.170 (Oxford, 1984) – assim citado em SEARLE, JOHN. “A Mente dos Animais” em Consciência e Linguagem, p. 103 (WMF Martin Fontes, 2010). ↩
- SEARLE, JOHN. “A Mente dos Animais” em Consciência e Linguagem, p. 105 (WMF Martin Fontes, 2010). ↩